Muito cedo nesta viagem, ganhamos consciência do nosso
destino. Só não sabemos quando e como lá vamos chegar. A forma como o fazemos,
faz toda a diferença. Não interessa se demorámos muito ou pouco, mas apenas o
quanto desfrutámos. A beleza da “paisagem” está assim, intrinsecamente ligada à
essência do ser.
Ter presente quem
somos, sabendo seguir a fleuma das nossas vontades, constitui a chave do
paraíso na terra.
Não poucas vezes, acordo com o
som dos corvos que esvoaçam perto da minha casa. Pousam nos telhados da escola
em frente, e enchem o ar com as suas “vozes” agoniantes. Lisboa tornou-se uma cidade
pouco acolhedora, daí o seu exílio nesta margem. Outros houve que voaram para
bem mais longe, tomando a distância, a exacta medida da sua "desilusão" com a
capital, da qual são o símbolo.
"Algumas lendas contam que quando uma pessoa morre, um corvo carrega sua alma até o paraíso. Por isso, dois corvos figuram nas armas de Lisboa, pousados numa caravela, um à proa e outro à popa, vigiando o corpo de S. Vicente, o padroeiro da cidade, durante a viagem dos ossos do santo desde Sagres até Lisboa.
Aliás, não há muitos anos, era comum ver corvos nas tabernas dos bairros típicos da capital, passeando impávidos pelos passeios ou imitando as vozes dos clientes mais habituais....
Devíamos seguir o exemplo da Inglaterra, onde a ave é protegida pela própria rainha. Sempre que um dos famosos corvos da Torre de Londres morre ou desaparece é obrigação da Guarda Real proceder à sua substituição imediata. Tudo para que não se realize a profecia: Londres desaparecerá quando, na Torre, morrer o último corvo."(*)
(*) Extraído do artigo "Os corvos da cidade de Lisboa estão a desaparecer" por MARIANA CORREIA DE BARROS publicado no Diário de Notícias em 5 de Julho de 2009
Afasta as cores e toda a alegria que a vida nos sabe
emprestar. A minha memória é noite, só do breu se consegue alimentar. Acordo
ouvindo o crocitar dos corvos, necrofagia de um sol negro que desperta sem
poder brilhar.
Um líquido escuro jorra da minha alma, outrora alegra e
foliona. Fez amargo, não pára de purgar .
Fujo para longe do meu corpo. Abandono a cabeça noutro
lugar.
Noutro lugar…
Estou farto. Não me consigo suportar.
Uma silhueta negra rasga o horizonte, voando para longe da
janela. Um monte de ossos desmaiado na cama, reclama um cangalheiro que os
saiba acariciar.
Despido de mim, evadido no céu sob o manto da solidão,
abraça-me o fado, num apocalipse infinito, nascido do verso das estrelas que
não aprenderam a brilhar.
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