LUAS DE SANGUE
Em meados do passado mês de Abril e
durante três noites seguidas, assisti curioso na minha varanda, ao nascimento
de uma lua-cheia diferente... Para além de enorme, esta lua nascia vermelha.
Curioso como sou, decidi investigar e rapidamente descobri que, pese embora o
fenómeno não tivesse sido visível em Portugal (a lua já se tinha posto) ocorreu
no passado dia 15 de Abril um eclipse lunar que deixou a lua "vermelho
sangue". Para além deste, entre 2014 e 2015 irão ocorrer mais três. O
próximo terá lugar a 8 de Outubro, mas também não será visível em terras lusas.
Segundo informação da NASA, em menos de um
ano e meio, a Lua irá voltar a ficar "ensanguentada" mais três vezes,
todas elas em feriados judaicos, conforme sucedeu no passado 15 Abril, dia em
que teve início o "Pêssach", que comemora a libertação do povo judeu
da escravidão do Egipto.
Este fenómeno astronómico, conjunto
de quatro eclipses totais da Lua, que ocorrem numa sequência de dois
anos, é conhecido por "tétrade" e deu já
origem à publicação de vários livros, a maior parte deles citando uma passagem
da Bíblia, onde é feita menção à Lua a transformar-se em sangue: “O sol converter-se-à em trevas, e a lua em
sangue, antes do grande e terrível dia do Senhor“, Joel 2:31.
Há quem refira que também no Novo
Testamento se pode ler idêntica profecia.
Entre as inúmeras publicações e as
variadíssimas referências ao fenómeno na Internet, destaca-se a interpretação
do pastor do Texas "John Hagee", cujo livro intitulado “Quatro Luas de Sangue: Alguma Coisa Vai
Mudar“ tem estado no topo de vendas do The New York Times e do USA
Today, para além de ter ficado durante 152 dias no top 100 de livros da
Amazon.
Este pastor, baseando-se nos factos já ocorridos
no decurso de tétrades - em 1492 os Judeus foram expulsos de Espanha e
Cristovão Colombo descobriu a América, dando-lhes assim um lugar para onde ir;
em 1948 "nasceu" o estado de Israel e finalmente, em 1967, Israel
venceu a "guerra dos seis dias", reconquistando a mítica Jerusalém -
profetiza que "Israel vai entrar numa enorme batalha, denominada
Armageddon, e que Jesus vai regressar à Terra". Segundo Hagee,
"esta é a altura em que nos devemos começar a preparar para o fim do mundo
como o conhecemos".
Durante cerca de 300 anos, entre 1600 e
1900, não ocorreram tétrades.
……………………
LUA ESCARLATE
A lua desperta no horizonte
Bocejando
Solta uma língua de fogo
Cobrindo a noite com saliva
Voluptuosamente espessa
Espreguiça-se
Soltando os braços
Luar quente no seio da alma
Derrete o gelo
Pálido desconsolo recolhido na rotina
diurna
Porque não é de noite, sempre?!
……………………………….
PROFECIA
“O aviso
dos mortos chegou no clarão da madrugada!”
Todos
se haviam refugiado nas Igrejas e aquele breu, que há dois dias não se
levantava, deixara-se finalmente vencer pela contagiante luz da aurora.
Foi
nesse momento peculiar que aquela estranha figura chegou à cidade. Era um ser
deveras insólito. Possuía uma espécie de cauda feita de madeira, que utilizava
como uma terceira perna. Deslocava-se de modo similar a um perneta com muletas,
mas de mãos livres. Sempre que parava, era impressionante o seu equilíbrio e
estabilidade – uma verdadeira “mesa de três pernas”.
Dadas
as circunstâncias, este bizarro aparecimento foi de imediato imerso num
contexto fantástico, sendo de pronto estabelecida pelas gentes uma ligação
entre o que acabara de acontecer e a sua chegada.
Várias
teorias foram aventadas, mas uma dentre estas acabou por se tornar dominante.
Segundo a mesma, tratar-se-ia do fantasma do antigo coveiro e guarda do
cemitério. Este havia morrido ao ser enterrado por acidente, após desmaiar de
bêbado para dentro da cova que acabara de abrir, no decurso das cerimónias
fúnebres de uma ilustre figura pública de Boa Esperança.
Ninguém
soube explicar ao certo como a coisa ocorrera e porque motivo, após constatada
a ausência do coveiro, ninguém se lembrou de olhar bem para dentro da cova,
antes de começar a cobrir o caixão de terra. O facto é que vários dias depois,
constatado o seu inexplicável desaparecimento, alguém finalmente sugeriu abrir
a dita cova e lá encontraram o seu cadáver.
Este
coveiro, para além de bêbado, era meio coxo e andava sempre apoiado numa velha
bengala de madeira, que possuía uma pega larga e chata, onde ele muitas vezes
encostava o traseiro para se apoiar, enquanto descansava e bebia um trago de
“grogue”, por ele fabricado.
As
mentes férteis de Boa Esperança conceberam então no seu imaginário, dada a
semelhança de semblante e estatura, que o tal estranho seria a alma penada deste
pobre coitado, regressada do purgatório para se vingar de todos nós,
levando-nos um a um para dentro da cova, onde abrindo a tampa do caixão, nós
empurraria “porta” adentro, rumo às entranhas do Inferno.
A
presença daquela criatura assinalava assim, para todo o cidadão deste nosso
lugarejo, a eminência do juízo final.
A
verdade é que naquela madrugada e manhã, após dois dias inteiros feitos noite
escura, as inquietações eram muitas e qualquer facto menos habitual, era
susceptível de fazer germinar várias interpretações, todas elas contendo profecias
do eminente fim dos tempos.
Apesar
da intranquilidade latente, o dia acabou por decorrer sem sobressaltos e como é
normal, quando o sol se pôs a dormir, chegou a noite.
O
estranho, que andara desaparecido quase todo o dia, apareceu enfim novamente no
bar das Almôndegas, onde costumo tomar café depois de jantar. Cravei-lhe aí,
pela primeira vez, o meu olhar. Vestia uma camisola de gola alta vermelha, de
malha, com uma enorme estrela branca no peito. As costas cobertas por um manto
azul celeste, cujo tecido não pude identificar. Do tronco para baixo, presos à
cintura por um pedaço de corda de amarra, uns corsários de fazenda vulgarucha,
com riscas vermelhas verticais, sobre um fundo cinzento antracite.
Olhando
para os seus pés, dir-se-ia ter subtraído os sapatos de Aladino. Não usava
chapéu e era calvo à excepção de um pequeno tufo violeta no alto do cocuruto.
As suas sobrancelhas pelo contrário, eram fartas e espessas, de um azul escuro
semelhante ao dos seus olhos, que fazia lembrar a cor do mar em dias de
tempestade. Possuía um rosto algo sóbrio, embora inexpressivo, pálido e de
traços ligeiros, mas sereno, não deixando transparecer qualquer tipo de tensão,
ou conflito interior.
Ao
olhar ao meu redor, o barómetro de apreensão disparou o alarme, tal era a
tensão latente nos rostos dos meus conterrâneos. Os lábios imóveis do estranho,
haviam-se transformado no seu único horizonte. O rebanho fixava hipnotizado, o
seu pastor, ansiando pela profecia.
Os
corpos, transpirando desespero, aguardavam as palavras funestas que os fariam
desfalecer, de joelhos quebrados ante o poder das trevas. As pessoas à minha
volta, espelhavam a resignação de quem foi abandonado pelo destino.
Quando
os seus lábios finalmente se moveram, soltando uma voz rouca com sotaque galego,
todo o bar estremeceu… mas em vão. O estranho havia pedido um scotch!
Quebrada
a barreira do silêncio, os mais curiosos foram-se aproximando dele, até que o
mais arguto resolveu questionar. O sujeito educadamente furtou-se à conversa,
argumentando que estava já atrasado para um encontro. Num golpe, verteu o
líquido goela abaixo e saiu porta fora, sem mais.
Toda
esta cena se passou num segundo e os presentes nada mais puderam fazer, a não
ser continuar a conjecturar sobre as possíveis ligações entre o que se havia
passado dois dias atrás e a chegada deste sujeito fenomenal.
Entretanto,
um após outro, os dias sucederam-se na azáfama da rotina, ocupando as mentes
mais férteis com os afazeres do dia-a-dia, privando de alimento, a especulação
e a quadrilhice.
Volvida
uma semana, apenas algumas comadres falavam ainda do assunto, porquanto nada de
mais importante lhes ocupava o raciocínio e a imaginação.
O
estrangeiro tornara-se frequentador habitual do bar e acabara por ceder à
tentação da conversa com os locais, embora a sua resposta às perguntas mais
intrusivas fosse sempre a mesma – um ligeiro sorriso.
Envolvidos
na teia das suas palavras, ouvíamos como uma agradável música de fundo, a
filosofia de uma civilização alienígena, transferida de um universo paralelo,
ínfima partícula de um cosmos desconhecido.
Apesar
da sua voz rude e aparência grosseira, possuía um à vontade e uma elegância de
gestos cativante, certamente alimentadas pelo adubo da intimidade com gentes e
costumes diversos, desvendados os segredos que lhe permitem transportar a
bagagem das estrelas, onde se encontra gravada a história das civilizações.
Mais
alguns dias passaram, até que o viajante anunciou ser a sua última noite na cidade,
ao pagar uma rodada a todos os presentes. Ninguém se atreveu a perguntar como
iria ele embora, uma vez que sempre se havia escusado a esclarecer de que forma
chegara.
Algum
tempo após a sua partida, constatou-se que enquanto permaneceu entre nós, os
animais estiveram estranhamente calmos sem qualquer alarido ou manifestação
quezilenta. Já as crianças, exibiram um comportamento exemplar e um
aproveitamento escolar extraordinário, enquanto os adultos esqueceram de forma
inconsciente, as sua desavenças e problemas, sentindo-se plenos com a vida e
relaxados na essência do ser.
Só
após semanas de alguma turbulência, em que tudo voltou efectivamente, ao
normal, alguns de nós se aperceberam dessa estranha coincidência.
Com
o passar dos anos, vieram novos estrangeiros e ocorreram novos eventos
insólitos em Boa Esperança. Hoje em dia já poucos falam no assunto.
Eu
recordarei sempre. Embora esteja certa que, para o meu marido, esta criança é
inequivocamente o seu filho, sempre que a observo adivinho nela a semente de
algo mais que um simples homem.